Em 1992, a homossexualidade era retirada do Registro de Doenças que é redigido pela Organização Mundial da Saúde e que, a cada quatro anos, é revisado, em vista de uma atualização. Antes, a homossexualidade estava incluída entre as enfermidades e desde então não figura mais, sendo considerada cientificamente, pelo contrário, como “uma característica da personalidade”. Como tal, não se fazem mais necessárias nem uma diagnose nem um cuidado médico.
Eu sou médico e psiquiatra e, mesmo por esse único ponto de vista, não considero a homossexualidade uma doença; mesmo se não posso esquecer que, antes daquela data, existiam esquemas de cura, seja orgânica (pela modificação dos parâmetros bioquímicos), seja psicoterápica. E também não posso esquecer que não poucos desses chamados doentes eram recuperados até mesmo em manicômios: lembro ainda das cartelas clínicas com a indicação do diagnótico de homossexualidade.
Apenas é o caso, porém, de indicar que aqui estamos nos referindo àquilo que comumente é chamado de orientação homossexual, que está conectado à pessoa, antes mesmo que ela se desenvolva em determinados comportamentos. Sei bem que a “prática” homossexual envolve também outros âmbitos de competência, por exemplo, o da teologia moral, sobre a qual, porém, eu não entro, pelo respeito que tenho à matéria. Cada leitor, entretanto, tem sob o perfil moral um quadro de referência seu, que, porém, eu respeito.
No meu discurso desenvolvo um raciocínio que se coloca sobre o que versa sobre uma competência médica, para a qual as manifestações e os comportamentos que surgem da homossexualidade não são patologia, mas variáveis no interior daquela que se chama normalidade, já que esta é difícil de ser definida”. Parece-me que se pode dizer também que a homossexualidade é uma diversidade, já que a pessoa homossexual não é definível só com relação a uma propensão sexual: ela é significada por um conjunto mais amplo de características e habilidades. Seria, em suma, um erro circunscrever e qualificar um homem pelo uso de um órgão seu, como também extravagante seria reduzir todas as variações da heterossexualidade a esse único comportamento. Sei que, sobre o argumento, se poderia abrir uma discussão infinita. Confesso, porém, que, como membro de uma comunidade científica, não posso arrogar-me um direito definidor, que, em seu âmbito, compete sem dúvida à ciência, da qual participo como cientista, poder representar. Não por acaso, essa atividade – minha e dos meus colegas – é disciplinada também pela Ordem dos Médicos, e não tem muito sentido que um indivíduo emita “diagnósticos”, se a ciência apurou que se trata de outra coisa. Obviamente, essa minha posição não impede que existam outras, que atribuam à homossexualidade um significado diferente. Eu as considero um erro, mas nem sonho negá-las.
Porém, tudo o que dizia antes não significa que a homossexualidade possa ser reduzida a algo irrelevante. E dou um exemplo. Até 1992, o regulamento que normatizava o Serviço Militar convocatório, agora obrigatório, previa a exclusão dos homossexuais como pessoas não idôneas a esse serviço. Esse item caducou, e lembro que houve uma comissão – encarregada de rever a questão – da qual eu participei. A exclusão não podia mais ser motivada por essa base, mas podia ter sido argumentada por força das características que são exigidas para aquele dado serviço.
Parece, de fato, totalmente legítimo que uma força armada à qual são demandadas determinadas tarefas, escolha – especialmente hoje que o serviço é voluntário – os aspirantes que permitem que se preveja que saibam realizar, da melhor forma e sem fadiga, a tarefa exigida. Sobre um plano talvez muito pragmático, alguém chegue a dizer que um raciocínio semelhante poderia valer também nas escolhas que a Igreja deve fazer com relação a seu próprio pessoal. Quem lhe impede, de fato, de verificar quais determinadas características colocam o aspirante ao sacerdócio em dificuldades particulares e por isso decidir que o homossexual não será admitido? Sobre uma base semelhante, muito concreta e operativa, ocorrem, de fato, todas as pesquisas de pessoal e até as seleções dos grandes cérebros a serem endereçados aos vários campos do saber. Há quem tenha uma propensão extraordinária para o mundo do digital, e quem, pelo contrário, se cansa muito só de aproximar-se dele. É óbvio que nunca mandarei o segundo a um Sillicon Valley. Quero dizer que não me escandalizo se uma organização, como no fundo é a Igreja, decide excluir os homossexuais do sacerdócio ministerial. Dadas as minhas convicções, poderia escandalizar-me se os considerasse doentes, mas não certamente se ela utilizar critérios para a seleção do próprio pessoal.
Mesmo se isso deixe, a meu ver, aberta a questão sobre o porquê as pessoas de orientação homossexual devem ser, por força, excluídas hoje da vida sacerdotal, reconheço que é um argumento difícil, ao menos para mim e – repito – tenho respeito pela Igreja, que nesse campo vale-se de um critério de prudência total. Entretanto, aqui continuamos mantendo-nos distantes do exercício anômalo da sexualidade exercida sem consenso, e talvez sobre um incapacitado, e que por isso a própria lei pune como abuso e violência, seja tratando-se de homossexualidade ou de heterossexualidade. Por causa da minha profissão, conheci alguns padres homossexuais: ou que desejavam superar essa tendência comportamental, ou que – casto – queria saber conter a urgência que se lhes apresentava. Posso dizer que, geralmente, trataram-se de pessoas provadas pelo confronto entre a sua inclinação pessoal e uma vocação, a de padre, que induz a escutar os outros e a colocar-se em segundo plano, para que seja Deus que prevaleça nessa relação. Eram, por isso, pessoas não isentas de um desejo de autenticidade, mas que certamente sentiam e viviam dramaticamente a sua fragilidade. Que, pois, é uma fragilidade que os costumes vigentes estabelecem de modo marcante.
A sensibilidade popular, de fato, tem, geralmente, uma reação diferenciada frente a um escândalo heterossexual ou homossexual, no sentido de que considera um mal menor para um padre a relação com uma mulher do que com um homem. E pode-se compreender isso, mesmo que, em última instância, seja, em alguns casos, o argumento forte para a dissuasão. Em primeiro lugar, de fato, contam a seriedade e a lealdade com que qualquer um enfrenta o próprio projeto de vida. E depois não nos esqueçamos há contextos geográficos e ambientais em que os costumes mudam, e muda também a sensibilidade prevalente. E, portanto, não é sobre ela que se pode basear para se organizar uma estratégia corretiva. Repito, no discurso vocacional, deve contar, sobretudo, a coerência com a mensagem que se anuncia, porque só ela torna os testemunhos críveis.
É óbvio, mas diremos ainda melhor na etapa sucessiva, que a homossexualidade se distancia anos-luz da pedofilia: esta, de fato, para a medicina, localiza-se clinicamente entre as doenças sexuais, ligadas à deformação do “objeto” de atração. E também do ponto de vista social, a pedofilia permanece um delito advertido como abominável, já que não apenas não respeita o outro menor, mas o violenta em uma fase extremamente delicada da sua existência. Na etapa atual, pretendi trazer à cena uma visão da homossexualidade que não é mais aquela dos estereótipos culturais de um tempo atrás. De fato, deve-se ficar atentos a não infligir estigmas não só intoleráveis, mas também falsos. Há uma evolução cultural em ação que, adquirindo os frutos da ciência, pode hoje representar a homossexualidade dentro de um esquema diferente de ontem. Entre outras coisas, deve-se sempre estar atentos ao peso de sofrimentos inúteis que são colocados nas costas das pessoas, sem que tenham culpas particulares. Nem por isso, porém, deve-se chegar a avaliações de irrelevância ou a excessos novos e opostos, por exemplo, sobre o plano de uma feminização dos costumes. E, por isso, deve-se ficar atentos a que, nos processos educativos, sejam sempre claros os parâmetros de referência.
Para aqueles que se encaminham na estrada que leva ao sacerdócio, é importante desenvolver um discernimento sapiente, que não despreze as competências profissionais. Torno a repetir algo que já disse no início desta viagem, isto é, que não se deve ter medo de voltar-se aos especialistas da psicologia. É melhor um exame claro dos problemas que existem hoje do que um fracasso amanhã. Obviamente, não pretendo com essas afirmações colocar-me, nem de forma distante, em conflito com as determinações do magistério, seja naquilo que concerne à condução das comunidades educativas particulares que são os seminários, seja – ainda mais – no que se refere à sistematização da doutrina moral, que é apresentada às pessoas como uma via de crescimento na autenticidade e no respeito de si mesmo e dos outros. Chegado ao término desta partida, não posso porém, eximir-me de dirigir um pensamento de consideração aos sacerdotes que se descobriram homossexuais e que, nesta declinação afetiva, sofrem para permanecer fiéis à sua vocação: a estes eu gostaria de dizer – eu, não-crente – que se voltem para Deus para pedir-lhe ajuda para que também essa “característica” se torne, sim, uma riqueza no serviço da missão a que estão dedicando as suas vidas”.
Vittorino Andreoli, Publicado em Avvenire, 07-01-2009.
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