A Igreja e as crianças

O jornal do Vaticano, L'Osservatore Romano, 17-02-2010, abordou o escândalo dos abusos sexuais desvendados na Alemanha, reproduzindo um artigo do psiquiatra e teólogo Manfred Lütz, diretor do hospital psiquiátrico Alexianer-Krankenhaus, de Colônia. O artigo foi, originalmente, publicado pelo jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, 11-02-2010. A tradução é de Alessandra Gusatto.
O abuso sexual de menores da parte de sacerdotes católicos é um crime particularmente repugnante. O sacerdote, de fato, tem um papel paternal perante os menores e, portanto o ato tem em si algo de incestuoso. Arrisca assim perder a confiança basilar na credibilidade das relações humanas, e exatamente a Igreja não pode ficar indiferente enquanto ela é destruída ou ainda a confiança em Deus é gravemente abalada.
Em 2002 a Conferência Episcopal Alemã difundiu algumas diretrizes, com base nas quais todas as dioceses introduziram um procedimento claro. Foram denominados interlocutores para as vitimas, instituídos grupos de especialistas, chamados importantes especialistas alemães para as perícias. Aqui a pertinência religiosa dos especialistas não tinha a menor importância. Há dois anos, já que vieram à tona denúncias contra um padre falecido, a arquidiocese de Colônia se apresentou espontaneamente em público para pedir que as outras vítimas se revelassem. Com sucesso. Também a abertura perante à imprensa, aplicada agora pelo diretor da Kanisius Kolleg em Berlim, segue esta linha.
Reduzindo ao essencial a atual agitação da imprensa alemã, os casos dos anos 1970 e 1980, dos quais se ficou sabendo somente agora, demonstram mais uma vez o quanto sejam importantes as medidas tomadas há alguns anos. Não são verdadeiras novidades. Se o clamor público supera qualquer fronteira, existem motivos sócio-psicológicos. Na nossa “sociedade sem pai”, representada primeiramente por Alexander Mitscherlich, na qual todos recusam as tarefas de ditar regras e de introduzir na história, tarefas que Freud atribuía ao pai, a Igreja católica tem portanto um papel pouco atraente. No vazio deixado pela “falta interna e externa de pais”, a puberdade e o protesto caem no vazio.
A geração de 68 tinha na figura do chanceler federal da época, Kiesinger, um pai emprestado de livros ilustrados. Hoje, os políticos evitam qualquer protesto e, se necessário, estão dispostos a se unirem a uma manifestação de protesto contra si mesmos. Também o pai Estado não existe mais. Sobretudo, os alemães, devotos da autoridade, aos quais foram substituídos para sempre os seus imperadores e os seus líderes, interpretaram este vazio e encontraram na Igreja católica um objeto substitutivo contra quem protestar. Que encabeçando esta Igreja estejam homens, e no controle de tudo o Santo Pai, facilita a projeção de todos os conflitos não vividos com o pai, da puberdade recuperada, de todos os protestos que não tinham destinatário, sobre uma instituição que tem normas e que não nega a sua identidade histórica.
O sexo é o tema preferido da puberdade e, com efeito, quando se trata de agir contra a Igreja, não é raro parecer pubertária a contribuição aos debates de pessoas de resto adultas. Então, para atacar o celibato nem se hesita em recorrer à velha tese machista de que “o sexo é necessário”. Sobretudo, porém, para nós alemães a Igreja católica é muito aptta a nos dispensar de nossas responsabilidades históricas. Quando Papa João Paulo II, no Yad Vashem, encontrou palavras comoventes que suscitaram profunda admiração em Israel, mas também na América, foram os alemães a criticá-lo, pois deveria ter -se desculpado de forma mais direta pela Shoah. Imaginemos: o Papa polonês, também ele uma vítima da ocupação alemã, é convidado pelos alemães a desculpar-se com maior vigor pela culpa alemã! Difficile est satiram non scribere.
Em 1970 o prestigiado sexólogo Eberhard Schorsch em um intervento no Parlamento alemão, sem ter sido questionado declara: “Um menino saudável em um ambiente intacto elabora as experiências sexuais não violentas sem que tenham conseqüências negativas duradouras”. O ambiente de esquerda paparicava os pedófilos. Em 1969, antes de partir para entrar na Rote Armee Franktion, Jan Carl Raspe em seu Kursbuch elogiou a Comune II, onde os adultos influenciavam as crianças, não obstante a sua resistência, a tentar manter relações sexuais. Entre os Verdes, em 1985 houve o pedido de descriminalização do sexo com crianças e em 1989, a célebre editora Deutscher Ärtzteverlag publicou um livro que pedia abertamente que se permitissem os contatos pedófilos. Na época se combatia em particular a moral sexual católica enquanto obstáculo repressivo para a “emancipação da sexualidade infantil”.
Somente no fim dos anos 1980, na sua maioria consultores feministas justamente explicaram que não existem relações sexuais não violentas entre crianças e adultos. Todavia, não foi sempre fácil encontrar um meio termo adequado entre banalização e escândalo. Depois esta onda investiu também a Igreja católica e muitos de seus representantes não conseguiram mais entender o mundo. Se até pouco tempo, aqueles que tinham apoiado a descriminalização da pedofilia os expunham ao ridículo pela sua rígida moral e totalmente fora de moda, de improviso são eles agora os verdadeiros malfeitores por atenuar o rigor das leis.
Também no debate atual muitas vezes se ignora o contexto social e a Igreja católica fica isolada como bode expiatório de todos estes sonhos anormais e escandalosos de sexo infantil sonhados há 40 anos em ambientes alternativos. Os críticos da Igreja, e também alguns de seus representantes, colhem a oportunidade para repetir o mesmo refrão: a culpa é das estruturas eclesiásticas, da moral sexual, do celibato. Não é, porém outro que um abuso declarado dos abusos mas, sobretudo uma perigosa desinformação que protege os culpados.
A verdade é que todas as instituições para crianças e jovens atraem pessoas que buscam um contato ilícito com os menores. Isto vale para as associações esportivas, pelas estruturas de assistência aos jovens e naturalmente também para as Igrejas. Um dos principais especialistas da Alemanha, Hans-Ludwig Kröber, não encontra nenhuma indicação para a maior freqüência de casos de pedofilia entre os professores celibatários do que os outros. Infelizmente a ciência ainda não soube desenvolver um método de mapeamento que permita individuar tais pessoas. Resta, portanto somente a observação responsável e a rápida reação em casos de anomalias. Para tanto as estruturas da Igreja são até uma ajuda. Essa pode reagir de modo mais coordenado e profissional se comparada à uma associação esportiva local. Por outro lado, se fala do responsável por jovens que cometeu abusos na Baixa Baviera somente nas páginas destinadas à crônica dos jornais locais, enquanto que quando se trata de um pároco se tem notícias em todo o País. O que é justo, em se tratando de um grave crime. Mas desta maneira se cria uma imagem distorcida no que diz respeito à freqüência.
Ainda, a combinação de sacralidade, sexualidade e rostos de crianças certamente chama sempre grande atenção. Qualquer coisa que se possa pensar da moral sexual católica, também nos tempos de banalização da pedofilia, essa era, para quem a respeitava, um baluarte contra o abuso das crianças. E citar neste contexto o celibato é um ato particularmente irresponsável. Em uma conferência em Roma em 2003, os principais especialistas internacionais – todos não católicos – declararam que não existe uma ligação entre este fenômeno e o celibato.
Com certeza as referências ao celibato não raramente servem para as mentirosas estratégias daqueles que cometem tais abusos. Naturalmente se favorece a causa dos culpados, também de modo não intencional, se se torna presa de um “furor de autoflagelo” (Kröber) e se faz reviver a caricatura do velho mito dos jesuítas – segredo, “tratamento individual” intensivo – citando-a como possível causa. Obviamente todos os contatos a dois podem ser instrumentalizados por aqueles que cometem os abusos. Uns dez por cento dos psicoterapeutas, antes ou depois, supera os confins do abuso. Mas a própria psicoterapia não é responsável pelo abuso, como também não o é o acompanhamento inaciano daos aos alunos dos colégios.
Deve-se desfrutar sem restrições as descobertas da ciência, tomar medidas de proteção e prevenção e procurar a transparência. Qualquer bispo que hoje quisesse ainda esconder embaixo do tapete qualquer coisa deste tipo deve ter perdido o senso. A nós, alemães, resta desejar que encontremos finalmente a coragem para renunciar às usuais projeções quando se trata deste tema sério e de aceitar a banalização dos abusos sexuais de crianças que foi aceita por longa data como parte da culpa de nós todos. Pode-se seguir o exemplo de Eberhard Schorsch, que em 1989 se distanciou publicamente da sua afirmação irrefletida em 1970.

Distinguir celibato e pedofilia

Estudos científicos mostram que não é possivel estabelecer uma relação de causalidade entre celibato e pedofilia, atesta Stéphane Jaulain, padre, terapeuta familiar e psicanalista, em artigo publicado no jornal Le Monde, 14-03-2010.
Acabo de ler o enésimo ataque contra o celibato consagrado na Igreja católica, fundado sobre uma pseudo relação que poderia existir entre este e a pedofilia.
É verdade que o celibato eclesiástico suscita perguntas, e isto é bom, mas é falso que exista uma ligação de causalidade entre os dois.
Hans Küng, infelizmente, não entende muito do funcionamento desta grave patologia da objetivação sexual. Suprimir ou não o celibato consagrado não fará desaparecer os pedófilos da Igreja católica. O que fará com que a pedofilia desapareça é a melhoria das condições de discernimento do acesso aos ministérios.
Se Hans Küng se tivesse informado, teria sabido que 96% dos casos de abusos sexuais e de maltrato de crianças, são casos que se deram no círculo familiar da criança.
Na linha da reflexão de Hans Küng a pergunta que surge é: por que não proibir a vida familiar já que ela é o lugar mais perigoso para as crianças?
A possibilidade de um clero casado no seio da Igreja existe já nas Igrejas católicas de rito oriental, e não haveria dificuldades, nem dogmáticas nem bíblicas, para que isto também se viabilizasse na Igreja católica romana. Neste aspecto, Hans Küng retoma um importante debate na Igreja.
Este problema é tanto mais importante já que muitos padres têm aventuras “extraconjugais” mais ou menos frequentes com mulheres ou também com homens.
Portanto, é um fato, o celibato consagrado é difícil de ser vivido, tanto quanto é difícil viver a vida conjugal cotidianamente. É necessário impor a vida conjugal como modelo único de vida para o clero?
Acho que não. A pluralidade de estados de vida seria certamente uma grande riqueza para a Igreja. Os dois modelos de clero convivem durante séculos na igreja ortodoxa.
No ponto em que discordo de Küng é na ligação que ele estabelece entre a pedofilia de alguns padres e o celibato consagrado. Trabalhando com estes problemas há mais de 15 anos, nunca encontrei nenhuma leitura científica (que seja séria) que sustente esta tese.
Pelo contrário, podem-se encontrar os seguintes elementos:
1.- Os pedófilos encontram no celibato consagrado um “estatuto social” aceitável que lhes permitia uma identidade social não ligada a um estatuto marital. Não precisar se enfrentar com uma sexualidade adulta, que podemos chamar de“ordinária”, era considerado como algo de interessante por um pedófilo (uso o verbo no passado, porque acho que, há alguns anos, já não é mais tão cômodo para os pedófilos).
2.- O fato de que padres sejam educadores da fé, faz com que estejam próximos de um público jovem. Esta proximidade constitui, naturalmente, uma fonte de atração para personalidades pedófilas, assim como é a escola pública, os centros de férias, os acampamentos de jovens, o escotismo, os serviços sociais, ou mesmo a proteção magistratura encarregada da proteção dos menores, ou ainda a medicina (um pediatra nos EUA foi preso por causa de mais de cem abusos sexuais de menores).
3.- A autoridade conferida pelo exercício do ministério permite aos pedófilos exercerem a onipotência que os habita e se adapta muito bem à dificuldade que eles têm de interpretar a lei como proibição; tudo isso contribui para manter nos pedófilos o sentimento de imunidade. Nisto, o clero está muito próximo de uma outra instituição, o corpo diplomático, que também conta com numerosos casos de pedofilia (muitas vezes encobertos pelos estados; é preciso aplaudir as iniciativas das Nações Unidas que começaram um trabalho de limpeza entre os seus funcionários e nos corpos de “paz”).
4.- O trabalho feito neste campo ensina que a pedofilia, os maus tratos e os abusos sexuais contra crianças atingem todas as classes sociais, todas as culturas, em todos os tempos, e isto é ignorado por Küng, e neste campo a igreja não está “fora do mundo”.
5.- Pelo contrário, pode haver uma relação entre a efebofilia e a ebefilia – preferência sexual por adolescentes na fase da puberdade – de alguns padres e uma imaturidade maciça no clero. Vários estudos feitos nos EUA mostraram que quase 60% do clero americano era considerado como sexualmente imaturo.
O fato de terem sido formados em seminários menores, ou seja, fora de qualquer confronto com a alteridade sexual, não contribuiu para um desenvolvimento plenamente satisfatório da afetividade de numerosos padres que abusaram de crianças de 12 a 17 anos. Os que abusaram de jovens nos anos 1960, 1970 e 1980, (período intenso de abusos na igreja) são padres que passaram pelos seminários menores e que não conheceram outras formas de sexualidade que a masturbação, exercício unicamente narcisístico.
Assim, um certo número de padres bloquearam o desenvolvimento da sua sexualidade no período da adolescência e permaneceram fixados neste estágio. Neste sentido, o concílio Vaticano II teve razão em abolir os seminários menores. Atenção, isto não quer dizer que todos os padres que passaram pelos seminários menores sejam pessoas que abusam e que sejam necessariamente imaturos.
Depois destas considerações, é importante que os dois problemas, a pedofilia e o celibato.
Contra a pedofilia é preciso uma luta contra um crime muito grave que e que requer estruturas eficazes de discernimento para fazer da igreja um lugar seguro para as crianças.
O celibato é o problema de uma luta no seio da Igreja por uma causa legítima. É preciso que não se caia no mesmo erro, ainda muito comum no seio da Igreja, que é confundir pedofilia com homossexualiade.

O celibato dos suspeitos

"Existe uma latente e obscura veia fascista nessa persistente tentativa de querer exorcizar no mundo clerical um problema, o do uso e do abuso de crianças, que, em nível global, está vulgarmente estruturado em toda categoria profissional e abraça a pedofilia assim como a pornografia, o turismo sexual, a prostituição, a exploração do trabalho infantil, a mendicância escravista." A opinião é de Filippo Di Giacomo, padre, jornalista e juiz canônico que viveu durante 11 anos como missionário no Congo, publicada no jornal L'Unità, 10-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo o jornalista, "nos mais de 80 casos de abusos denunciados na diocese de Boston, a primeira circunscrição católica a ter chegado à mídia por causa da pedofilia difundida, só quatro foram reconhecidos culpados. Na Irlanda, as duas comissões governamentais que investigaram os cerca de 2.800 casos denunciados, só 10% foram consideraram com fundamento. Isso quer dizer que 90% das acusações, mesmo que fortemente midiatizadas, eram falsas".

Também na Alemanha, assim como nos EUA e em outros países europeus, os bispos católicos objetaram sobre o desmantelamento do estado social. A uma Merkel intencionada a vender o welfare por trinta moedas pagas pelos liberais à atual coalizão de governo, os bispos recordaram o significado que a locução "cristão-social" sempre representou para a identidade e as políticas do partido em nome do qual ela foi eleita.
Muito rapidamente, chegou a resposta dos "liberais" alemães: seria melhor que a Igreja se ocupasse dos seus problemas internos. E qual problema, midiaticamente falando, é mais conveniente do que as intemperanças sexuais do clero? Circula pelo mundo um par de advogados norte-americanos especializados na questão, e o seu desembarque na Itália já está programado para os próximos meses. É provável, portanto, que, depois do episódio irlandês, alemão, austríaco e holandês, teremos direito a um episódio italiano sobre os lugares comuns do já pouco original debate sobre o que a Igreja é e sobre o que deveria fazer.
Nestes dias, já se leem argumentações inclinadas a demonstrar como os atos de pedofilia clerical estariam relacionados ao celibato dos padres, a uma regressão sexual induzida, referente à formação oferecida nos seminários menores (praticamente desaparecidos há 40 anos), segundo um modelo imposto pelo Concílio de Trento, na segunda metade do século XV.
Na realidade, o celibato existe desde 306, desde o Concílio de Elvira (nome de Granada na Hispânia romana), na Igreja do Ocidente tornou-se regra indiscutível ainda no século IV, quando Agostinho sugeriu a adoção da disciplina monástica a todos os seus padres. O celibato deu prova de poder garantir uma estrutura psíquica que favorece a independência e a disponibilidade existencial e continua representando um dos carismas que a Igreja Católica testemunha no cristianismo global.
E também no sacerdócio célibe, os homens sadios nunca conheceram o desenvolvimento de atrações eróticas com relação a crianças como resultado da abstinência. Nos mais de 80 casos de abusos denunciados na diocese de Boston, a primeira circunscrição católica a ter chegado à mídia por causa da pedofilia difundida, só quatro foram reconhecidos culpados. Na Irlanda, as duas comissões governamentais que investigaram os cerca de 2.800 casos denunciados, só 10% foram consideraram com fundamento. Isso quer dizer que 90% das acusações, mesmo que fortemente midiatizadas, eram falsas.
Existe uma latente e obscura veia fascista nessa persistente tentativa de querer exorcizar no mundo clerical um problema, o do uso e do abuso de crianças, que, em nível global, está vulgarmente estruturado em toda categoria profissional e abraça a pedofilia assim como a pornografia, o turismo sexual, a prostituição, a exploração do trabalho infantil, a mendicância escravista.
Não é por nada que, nesta terça-feira, o padre Federico Lombardi lembrou que: "Na Áustria, em um mesmo período de tempo, os casos confirmados em instituições ligadas à Igreja foram 17, enquanto houve 510 em outros ambientes. Também é bom se preocupar com esses".
Pode-se notar como a onda europeia de midiatização de massa dos abusos católicos ocorra em um contexto ambíguo. De um lado, é quase certo que Bento XVI manifestou sobre o assunto uma firmeza disciplinar que não deixa dúvidas nem dentro, nem fora da Igreja. De outro, a virulência dos ataques anticatólicos são enfatizados pela imagem de isolamento do Pontífice, devida verdadeiramente a uma máquina curial e administrativa que não lhe parece fiel e que é descrita à opinião pública como não controlada por ele.
No jornalismo eclesiológico e canonístico fora da Itália, desde o final dos anos 60, se questiona (é famoso o artigo que significativamente tinha o título "L'Eglise à l'heure du management", A Igreja na época do 'management') se o catolicismo ainda precisa de uma Cúria que ocupa cerca de 2.800 pessoas, impermeável às voluntariosas tentativas de Paulo VI e João Paulo II para torná-la eclesialmente compatível com a Igreja real, capaz (como demonstram os casos de certos "cavalheiros" do Papa) só de internacionalizar os atávicos privilégios e vícios.
No editorial de setembro de 1997, o então diretor de Jesus (revista mensal dos padres paulinos italianos), fez ricochetear na Itália uma proposta muito séria, levada adiante por alguns bispos norte-americanos: abolir a Cúria sem mais demora. Então, o diretor perdeu seu posto. Agora, se o seu sonho se tornasse realidade, quem bateria palmas seria, provavelmente, a Igreja inteira.

Os padres e a homossexualidade

Em 1992, a homossexualidade era retirada do Registro de Doenças que é redigido pela Organização Mundial da Saúde e que, a cada quatro anos, é revisado, em vista de uma atualização. Antes, a homossexualidade estava incluída entre as enfermidades e desde então não figura mais, sendo considerada cientificamente, pelo contrário, como “uma característica da personalidade”. Como tal, não se fazem mais necessárias nem uma diagnose nem um cuidado médico.
Eu sou médico e psiquiatra e, mesmo por esse único ponto de vista, não considero a homossexualidade uma doença; mesmo se não posso esquecer que, antes daquela data, existiam esquemas de cura, seja orgânica (pela modificação dos parâmetros bioquímicos), seja psicoterápica. E também não posso esquecer que não poucos desses chamados doentes eram recuperados até mesmo em manicômios: lembro ainda das cartelas clínicas com a indicação do diagnótico de homossexualidade.
Apenas é o caso, porém, de indicar que aqui estamos nos referindo àquilo que comumente é chamado de orientação homossexual, que está conectado à pessoa, antes mesmo que ela se desenvolva em determinados comportamentos. Sei bem que a “prática” homossexual envolve também outros âmbitos de competência, por exemplo, o da teologia moral, sobre a qual, porém, eu não entro, pelo respeito que tenho à matéria. Cada leitor, entretanto, tem sob o perfil moral um quadro de referência seu, que, porém, eu respeito.
No meu discurso desenvolvo um raciocínio que se coloca sobre o que versa sobre uma competência médica, para a qual as manifestações e os comportamentos que surgem da homossexualidade não são patologia, mas variáveis no interior daquela que se chama normalidade, já que esta é difícil de ser definida”. Parece-me que se pode dizer também que a homossexualidade é uma diversidade, já que a pessoa homossexual não é definível só com relação a uma propensão sexual: ela é significada por um conjunto mais amplo de características e habilidades. Seria, em suma, um erro circunscrever e qualificar um homem pelo uso de um órgão seu, como também extravagante seria reduzir todas as variações da heterossexualidade a esse único comportamento. Sei que, sobre o argumento, se poderia abrir uma discussão infinita. Confesso, porém, que, como membro de uma comunidade científica, não posso arrogar-me um direito definidor, que, em seu âmbito, compete sem dúvida à ciência, da qual participo como cientista, poder representar. Não por acaso, essa atividade – minha e dos meus colegas – é disciplinada também pela Ordem dos Médicos, e não tem muito sentido que um indivíduo emita “diagnósticos”, se a ciência apurou que se trata de outra coisa. Obviamente, essa minha posição não impede que existam outras, que atribuam à homossexualidade um significado diferente. Eu as considero um erro, mas nem sonho negá-las.
Porém, tudo o que dizia antes não significa que a homossexualidade possa ser reduzida a algo irrelevante. E dou um exemplo. Até 1992, o regulamento que normatizava o Serviço Militar convocatório, agora obrigatório, previa a exclusão dos homossexuais como pessoas não idôneas a esse serviço. Esse item caducou, e lembro que houve uma comissão – encarregada de rever a questão – da qual eu participei. A exclusão não podia mais ser motivada por essa base, mas podia ter sido argumentada por força das características que são exigidas para aquele dado serviço.
Parece, de fato, totalmente legítimo que uma força armada à qual são demandadas determinadas tarefas, escolha – especialmente hoje que o serviço é voluntário – os aspirantes que permitem que se preveja que saibam realizar, da melhor forma e sem fadiga, a tarefa exigida. Sobre um plano talvez muito pragmático, alguém chegue a dizer que um raciocínio semelhante poderia valer também nas escolhas que a Igreja deve fazer com relação a seu próprio pessoal. Quem lhe impede, de fato, de verificar quais determinadas características colocam o aspirante ao sacerdócio em dificuldades particulares e por isso decidir que o homossexual não será admitido? Sobre uma base semelhante, muito concreta e operativa, ocorrem, de fato, todas as pesquisas de pessoal e até as seleções dos grandes cérebros a serem endereçados aos vários campos do saber. Há quem tenha uma propensão extraordinária para o mundo do digital, e quem, pelo contrário, se cansa muito só de aproximar-se dele. É óbvio que nunca mandarei o segundo a um Sillicon Valley. Quero dizer que não me escandalizo se uma organização, como no fundo é a Igreja, decide excluir os homossexuais do sacerdócio ministerial. Dadas as minhas convicções, poderia escandalizar-me se os considerasse doentes, mas não certamente se ela utilizar critérios para a seleção do próprio pessoal.
Mesmo se isso deixe, a meu ver, aberta a questão sobre o porquê as pessoas de orientação homossexual devem ser, por força, excluídas hoje da vida sacerdotal, reconheço que é um argumento difícil, ao menos para mim e – repito – tenho respeito pela Igreja, que nesse campo vale-se de um critério de prudência total. Entretanto, aqui continuamos mantendo-nos distantes do exercício anômalo da sexualidade exercida sem consenso, e talvez sobre um incapacitado, e que por isso a própria lei pune como abuso e violência, seja tratando-se de homossexualidade ou de heterossexualidade. Por causa da minha profissão, conheci alguns padres homossexuais: ou que desejavam superar essa tendência comportamental, ou que – casto – queria saber conter a urgência que se lhes apresentava. Posso dizer que, geralmente, trataram-se de pessoas provadas pelo confronto entre a sua inclinação pessoal e uma vocação, a de padre, que induz a escutar os outros e a colocar-se em segundo plano, para que seja Deus que prevaleça nessa relação. Eram, por isso, pessoas não isentas de um desejo de autenticidade, mas que certamente sentiam e viviam dramaticamente a sua fragilidade. Que, pois, é uma fragilidade que os costumes vigentes estabelecem de modo marcante.
A sensibilidade popular, de fato, tem, geralmente, uma reação diferenciada frente a um escândalo heterossexual ou homossexual, no sentido de que considera um mal menor para um padre a relação com uma mulher do que com um homem. E pode-se compreender isso, mesmo que, em última instância, seja, em alguns casos, o argumento forte para a dissuasão. Em primeiro lugar, de fato, contam a seriedade e a lealdade com que qualquer um enfrenta o próprio projeto de vida. E depois não nos esqueçamos há contextos geográficos e ambientais em que os costumes mudam, e muda também a sensibilidade prevalente. E, portanto, não é sobre ela que se pode basear para se organizar uma estratégia corretiva. Repito, no discurso vocacional, deve contar, sobretudo, a coerência com a mensagem que se anuncia, porque só ela torna os testemunhos críveis.
É óbvio, mas diremos ainda melhor na etapa sucessiva, que a homossexualidade se distancia anos-luz da pedofilia: esta, de fato, para a medicina, localiza-se clinicamente entre as doenças sexuais, ligadas à deformação do “objeto” de atração. E também do ponto de vista social, a pedofilia permanece um delito advertido como abominável, já que não apenas não respeita o outro menor, mas o violenta em uma fase extremamente delicada da sua existência. Na etapa atual, pretendi trazer à cena uma visão da homossexualidade que não é mais aquela dos estereótipos culturais de um tempo atrás. De fato, deve-se ficar atentos a não infligir estigmas não só intoleráveis, mas também falsos. Há uma evolução cultural em ação que, adquirindo os frutos da ciência, pode hoje representar a homossexualidade dentro de um esquema diferente de ontem. Entre outras coisas, deve-se sempre estar atentos ao peso de sofrimentos inúteis que são colocados nas costas das pessoas, sem que tenham culpas particulares. Nem por isso, porém, deve-se chegar a avaliações de irrelevância ou a excessos novos e opostos, por exemplo, sobre o plano de uma feminização dos costumes. E, por isso, deve-se ficar atentos a que, nos processos educativos, sejam sempre claros os parâmetros de referência.
Para aqueles que se encaminham na estrada que leva ao sacerdócio, é importante desenvolver um discernimento sapiente, que não despreze as competências profissionais. Torno a repetir algo que já disse no início desta viagem, isto é, que não se deve ter medo de voltar-se aos especialistas da psicologia. É melhor um exame claro dos problemas que existem hoje do que um fracasso amanhã. Obviamente, não pretendo com essas afirmações colocar-me, nem de forma distante, em conflito com as determinações do magistério, seja naquilo que concerne à condução das comunidades educativas particulares que são os seminários, seja – ainda mais – no que se refere à sistematização da doutrina moral, que é apresentada às pessoas como uma via de crescimento na autenticidade e no respeito de si mesmo e dos outros. Chegado ao término desta partida, não posso porém, eximir-me de dirigir um pensamento de consideração aos sacerdotes que se descobriram homossexuais e que, nesta declinação afetiva, sofrem para permanecer fiéis à sua vocação: a estes eu gostaria de dizer – eu, não-crente – que se voltem para Deus para pedir-lhe ajuda para que também essa “característica” se torne, sim, uma riqueza no serviço da missão a que estão dedicando as suas vidas”.
Vittorino Andreoli, Publicado em Avvenire, 07-01-2009.

Padres e pedófilos

"O jornalismo preguiçoso deveria separar a histeria anticatólica da verdade criminal", escreve João Pereira Coutinho em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 23-03-2010. Ele escreve: "Sejam sinceros: quando existem escândalos sexuais na Igreja Católica, eles não são apenas escândalos sexuais pontuais e localizados. Esses escândalos, que existem em todo o lado (e em todas as denominações religiosas), bebem diretamente no patrimônio literário e anticatólico do Ocidente".
Estamos sempre a aprender: vocês sabem como se diz "bastardo" em língua germânica? "Pfaffenkind." Ou, em tradução literal, "o filho do padre". As curiosidades não acabam aqui: ainda na Alemanha protestante, a expressão coloquial para designar a frequência de bordéis era "agir como um bispo".
É claro que não precisamos viajar até a Alemanha para encontrar esse glorioso imaginário em que membros do clero (católico) se entregam à lascívia. De Chaucer a Boccaccio, passando pelos textos centrais do Iluminismo continental (a "Religiosa", de Diderot; o "Émile", de Rousseau; as múltiplas mediocridades de Sade), o padre não é simplesmente o pastor espiritual em missão evangélica.
O padre é o "fornicador" incansável, sempre disposto a atacar donzelas virgens ou mulheres casadas. Sem falar do resto: o lesbianismo das freiras, a sodomia entre monges e a tortura física por que passa o seminarista casto, que se fustiga com prazer masoquista para compensar uma dolorosa ausência de fêmea (ou de macho).
Sejam sinceros: quando existem escândalos sexuais na Igreja Católica, eles não são apenas escândalos sexuais pontuais e localizados. Esses escândalos, que existem em todo o lado (e em todas as denominações religiosas), bebem diretamente no patrimônio literário e anticatólico do Ocidente.
O caso é agravado pela arcana questão do celibato. No mundo moderno e hipersexualizado em que vivemos, o celibato não é visto como uma opção pessoal (e espiritual) legítima e respeitável. O celibato só pode ser tara; só pode ser um convite ao desvio; só pode ser pedofilia. Esses saltos lógicos são tão comuns que já nem horrorizam ninguém.
Ou horrorizam? Philip Jenkins é uma exceção e o seu "Pedophiles and Priests: Anatomy of a Contemporary Crisis" (Oxford, 214 págs.) é o mais exaustivo estudo sobre os escândalos sexuais que sacudiram a Igreja Católica nos Estados Unidos durante a década de 1990.
Jenkins não nega o óbvio: que existiram vários abusos; e, mais, que as autoridades eclesiásticas falharam na detecção ou denúncia dos mesmos.
Porém, Jenkins é rigoroso ao mostrar como os crimes foram amplificados de forma desproporcionada com o objetivo de cobrir toda a instituição com cores da infâmia.
Padres católicos cometem crimes sexuais? Fato. Mas esses crimes, explica Jenkins, existem em proporção idêntica nas outras denominações religiosas (e não celibatárias). A única diferença é que, sendo o número de padres católicos incomparavelmente superior ao número de pastores de outras igrejas; e estando os crimes de pedofilia disseminados pela população adulta, será inevitável que exista um maior número de casos entre o clérigo católico.
Como explicar, então, que as atenções mediáticas sejam constantemente voltadas para os suspeitos do costume?
Jenkins não é alheio à dimensão "literária" do anticatolicismo ocidental; muito menos à hipersexualização moderna, que vê na doutrina sexual da igreja um anacronismo e, em certos casos, uma ameaça.
Mas o autor vai mais longe e revela como a amplificação dos crimes é, muitas vezes, promovida por facções dissidentes dentro da própria Igreja Católica que esperam assim conseguir certas vitórias "culturais" (o fim do celibato, a ordenação de mulheres para o sacerdócio etc.) pela disseminação de uma imagem de corrupção endêmica. "A maior ameaça à sobrevivência da igreja desde a Reforma", escreve Jenkins, citando as incontáveis reportagens que repetiam essa bovinidade.
Isso significa que os crimes das últimas semanas na Europa podem ser desculpados ou justificados? Pelo contrário: esses crimes não têm desculpa nem justificação. E é de saudar que o papa Bento XVI, em atitude inédita, tenha escrito uma carta plena de coragem e dignidade ao clérigo irlandês, condenando os abusadores, pedindo perdão às vítimas e esperando que a justiça faça o seu caminho.
Mas não é apenas a justiça que tem de fazer o seu caminho. O jornalismo preguiçoso também deveria trilhar o seu, separando a histeria anticatólica da verdade criminal.
Um contributo: para ficarmos no país de Ratzinger, existiram na Alemanha, desde 1995, 210 mil denúncias de abusos a menores. Dessas 210 mil, 300 lidaram com padres católicos. Ou seja, menos de 0,2%. Será isso a maior ameaça à sobrevivência da igreja desde a Reforma?

PARA LUTAR CONTRA A PEDOFILIA

Para lutar contra a pedofilia, a abolição do celibato dos padres
"A obrigação do celibato constitui hoje a causa principal do déficit catastrófico no número de padres, do abandono – carregado de consequências – da prática da comunhão e, em muitos casos, do desmoronamento da assistência espiritual personalizada." "Qual é a melhor formação para as gerações futuras de padres?", pergunta o renomado teólogo católico. "A abolição da regra do celibato, raiz de todos os males, e a abertura da ordenação às mulheres", responde. Segundo ele, "os bispos sabem bem disso, mas é preciso que tenham a coragem de dizer isso em voz alta a inteligível". A opinião é do teólogo suíço-alemão Hans Küng, presidente da Fundação Ética Mundial, em artigo para o jornal Le Monde, 05-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os numerosos abusos sexuais que membros do clero católico cometeram em crianças e adolescentes, dos Estados Unidos à Alemanha, passando pela Irlanda, não trazem à Igreja Católica só um enorme prejuízo em matéria de imagem. São também reveladores da crise profunda em que ela está se debatendo.
Pela Conferência Episcopal Alemã, foi o seu presidente, o arcebispo de Friburgo, Robert Zollitsch, que tomou posição publicamente. O fato de ter qualificado esses casos de abusos sexuais como "crimes odiosos" e de que, consequentemente, na sua declaração do dia 25 de fevereiro, a Conferência Episcopal tenha pedido perdão a todas as vítimas, certamente é um primeiro passo em direção a um retorno à ordem. Mas ele deveria ser seguido por outros passos. A declaração de Dom Zollitsch comporta pelo menos três sérios erros de apreciação que é preciso denunciar.
Primeira afirmação: os abusos sexuais de padres não têm nada a ver com o celibato. Objeção! Certamente é incontestável que esse gênero de escândalos ocorre também nas famílias, escolas, associações e igualmente no seio de Igreja em que a regra do celibato dos padres não existe. Mas por que o fenômeno se difundiu tanto justamente nas Igrejas católicas dirigidas por homens não casados? Bem entendido, esses desvios não são exclusivamente devidos ao celibato.
Mas essa é estruturalmente a expressão mais relevante da relação distorcida que a hierarquia católica tem com a sexualidade, a mesma que determina a sua relação com a questão da contracepção e de muitas outras.
Porém, basta abrir o Novo Testamento: se Jesus e Paulo preferiram, a título exemplar, não se casar para ficar a serviço da humanidade, mas deixaram ao indivíduo uma liberdade de escolha total nesse quesito. No Evangelho, o celibato só pode ser considerado como uma vocação livremente consentida (Charisma) e não como uma lei universalmente imposta.
Paulo se opôs àqueles que, já então, defendiam que "é bom que o homem se abstenha de mulher": "Para evitar a imoralidade, cada homem tenha a sua esposa, e cada mulher o seu marido". (1 Coríntios 7, 1 e seguintes), respondia-lhes o apóstolo. Segundo a primeira epístola a Timóteo, "é preciso, porém, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma única mulher (3, 2).
Pedro, assim como os outros discípulos de Cristo, esteve casado durante todo o período do seu apostolado. Foi esse o caso, durante diversos séculos, para os bispos e os padres de paróquia, o que, como todos sabem, se perpetua hoje em dia nas Igrejas do Oriente, assim como entre os uniatas que ficaram ligados à Roma e na ortodoxia em seu conjunto, pelo menos no que se refere aos padres. É justamente o celibato elevado a regra que contradiz o Evangelho e a tradição do catolicismo primitivo. É, portanto, conveniente aboli-lo.
Segunda afirmação: é "totalmente errôneo" reportar esses casos de abuso sexual a uma falha no sistema da Igreja. Objeção! O celibato ainda não estava em vigor no primeiro milênio da era cristã. No Ocidente, ele foi instituído no século XI, sob a influência de monges (que eram celibatários por escolha). Ele é devido ao Papa Gregório VII, o mesmo que obrigou o imperador do Sacro Império Romano-Germânico a se ajoelhar diante dele em Canossa (1077), e fez isso apesar da oposição virulenta do clero italiano e mais ainda do clero alemão.

Na Alemanha, além disso, somente três bispos ousaram promulgar o decreto papal. Os padres que protestavam eram contados aos milhares. Em uma petição, o clero alemão perguntou "se o Papa não conhecia a palavra do Senhor: 'Quem puder compreender, compreenda'" (Mateus 19, 12). Nessa única passagem que se refere ao celibato, Jesus se expressa em favor do caráter voluntário dessa reforma do modo de vida.
A regra do celibato deveria, portanto, se tornar – ao mesmo tempo em que o absolutismo papal e o reforço do clero – em um pilar essencial do "sistema romano". Contrariamente ao que ocorreu nas Igrejas do Oriente, o clero ocidental, tão devoto do celibato, parece por isso completamente separado do povo cristão: como uma classe social dominante singular, fundamentalmente acima dos leigos, mas totalmente submissa à autoridade pontifícia romana. Ora, a obrigação do celibato constitui hoje a causa principal do déficit catastrófico no número de padres, do abandono – carregado de consequências – da prática da comunhão e, em muitos casos, do desmoronamento da assistência espiritual personalizada.
Uma evolução que é dissimulada pela fusão de paróquias, por trás do eufemismo de "unidades de assistência espiritual" que são confiadas a párocos já totalmente sobrecarregados. Portanto, qual é a melhor formação para as gerações futuras de padres? A abolição da regra do celibato, raiz de todos os males, e a abertura da ordenação às mulheres. Os bispos sabem bem disso, mas é preciso que tenham a coragem de dizer isso em voz alta a inteligível. Eles teriam do seu lado a grande maioria da população e também os católicos, dos quais as pesquisas recentes mostram que se pronunciam em favor do casamento dos padres.
Terceira afirmação: os bispos já estão suficientemente cheios de responsabilidades. O fato de que, finalmente, medidas de explicação e de prevenção sejam adotadas é uma iniciativa louvável. Mas o episcopado não tem talvez a responsabilidade de décadas de práticas de acobertamento dos casos de abuso sexual, que muitas vezes tiveram como único efeito a transferência do delinquente, visando apenas a reforçar a porta de ferro? Aqueles que ontem abafaram os escândalos são hoje os mais qualificados para iluminar tudo? Uma comissão independente não seria uma opção melhor?
Até hoje, quase nenhum bispo reconheceu a sua cumplicidade. No entanto, algum deles poderá argumentar que se limita a seguir as ordens de Roma. No Vaticano, com base no mais absoluto segredo, a discreta Congregação para a Doutrina da Fé enfrentou todos os casos graves de desvio sexual cometidos por membros do clero, que, por sua vez, chegaram à mesa do seu prefeito, o cardeal Ratzinger, entre 1981 e 2005. Ainda no dia 18 de maio de 2001, este último enviava aos bispos do mundo inteiro uma carta solene sobre as penosas faltas ("Epistula de delictis gravioribus"). Os casos de abusos sexuais foram postos sob "segredo pontifício" ("Secretum pontificium") e classificados como ofensa que exigia uma punição eclesiástica.
A Igreja, portanto, não deveria esperar também do Papa, em colegialidade com os bispos, um mea culpa? E isso – à guisa de reparação – com a possibilidade de que a regra do celibato, sobre a qual o Concílio Vaticano II não se manifestou, seja enfim livre e abertamente reconsiderada.
Com a mesma franqueza para abordar, enfim, de peito aberto a questão dos próprios abusos sexuais, seria preciso enfrentar a discussão da sua causa essencial e estrutural: a regra do celibato. Eis o que os bispos deveriam propor firmemente e sem meias palavras ao Papa Bento XVI.